
Votação obrigatória Uma alternativa à desafectação?
Nestes primeiros anos do século XXI, muitos países democráticos têm experimentado uma desconexão relativamente forte entre os cidadãos e os seus representantes políticos. A maior visibilidade dos partidos populistas na Europa, América Latina e Estados Unidos levanta questões sobre a importância das taxas de participação nas eleições. Alguns peritos argumentam que as elevadas taxas de participação nas eleições podem impedir grupos extremistas de ganhar lugares em câmaras representativas (Lijphart, 1996). Por outro lado, outros defendem a ideia de que todos os cidadãos são livres de escolher se querem ou não votar (Harvard Note, 2007), sendo esta a ideia predominante entre os peritos dos EUA. A fim de acrescentar novos argumentos a este debate, este artigo analisará as diferenças entre um sistema de voto obrigatório e um sistema de voto não obrigatório, analisando os casos da Bélgica e dos Países Baixos.
Os sistemas eleitorais diferem muito de país para país, mas se há uma coisa que todos eles têm em comum, é o voto. Um dos princípios fundamentais da democracia actual é o direito dos cidadãos a votarem nos seus representantes. Desde que os primeiros sistemas democráticos foram estabelecidos, o direito de voto evoluiu de direito exclusivo de alguns homens poderosos para incluir o sufrágio universal. No entanto, existem diferentes formas de realizar o exercício do voto. Para alguns países a votação é apenas um direito, para outros é um dever. Em 2013 houve 21 países que tornaram a votação obrigatória através de diferentes mecanismos legais (The World Factbook, 2013). Analisando dados de eleições recentes em vários países (Election resources 2016; The Telegraph 2016), e tomando a Bélgica e a Austrália como exemplos de votação obrigatória, é evidente que estes últimos têm mostrado melhores taxas de participação.

Sistema eleitoral na Bélgica
O artigo 62 da Constituição belga estabelece que "o voto é obrigatório e secreto" (Constituição belga, art. 62). A Bélgica foi o primeiro país do mundo a introduzir o voto obrigatório em 1894, e estipula que todos os cidadãos belgas maiores de 18 anos devem participar nas eleições (Constituição belga, art. 62º). De facto, os cidadãos residentes no estrangeiro têm de se registar junto das delegações diplomáticas competentes, uma vez que também têm o dever de votar de acordo com a "Lei de 18 de Dezembro de 1998" (Pilet 2007, 2). Desde 2004, o mesmo se aplica aos cidadãos estrangeiros que residem na Bélgica há mais de cinco anos (Pilet, 2007:2). Os eleitores que não comparecem na mesa de voto podem ser multados (Código Eleitoral 2916, art. 207), variando entre 25 euros e 125 euros. Além disso, os cidadãos que não comparecerem a um total de cinco sondagens num período de 15 anos ou menos podem perder o seu direito de voto durante 10 anos. Embora esta seja uma possibilidade prevista por lei, é uma medida que raramente é aplicada. Por exemplo, em 1985, apenas 62 dos 450.000 eleitores que não votaram foram sancionados (Vanmaerche, 1993).
Embora, como se pode ver no gráfico, o resultado da medida possa ser considerado bem sucedido, com uma participação de cerca de 90% nas últimas décadas, tem havido muito debate sobre o voto obrigatório nos últimos anos. Partes como a VLD declararam que "ninguém pode ser forçado a eleger os seus representantes se não o quiser fazer" (VLD, 1993,11). Por outro lado, os apoiantes do voto obrigatório defendem um sistema de sanções mais eficaz (PS 1995).

Sistema eleitoral nos Países Baixos
Os Países Baixos são um dos vizinhos da Bélgica, e os dois países partilham uma herança cultural e social, principalmente devido à presença de comunidades flamengas em ambos os países. Nos Países Baixos, a votação foi obrigatória entre 1917 e 1970. A mudança para um sistema de voto não obrigatório gerou a rejeição inicial entre a população (Andewer, 1989: 55). Contudo, dada a natureza proporcional do sistema eleitoral, não houve mais debate sobre a reintrodução de um sistema de voto obrigatório. A principal vantagem deste tipo de sistema proporcional é que é "concebido para permitir que quase qualquer partido entre no parlamento, excepto os de dimensão extremamente reduzida" (van der Kolk & Thomasen, 2006: 41). Nesses casos, não é necessário assegurar uma elevada taxa de participação para garantir uma ampla representação da população.

Se olharmos para as percentagens de participação desde 1956, é possível identificar uma clara mudança de tendência em 1970. A participação cai de 94,9% em 1967 para 79,1% em 1971. Nos últimos 20 anos, os níveis de participação permaneceram entre 70% e 80%, o que é ainda uma taxa de participação mais elevada do que em países como a Espanha e o Reino Unido.
Conclusões
A democracia é um dos pilares das sociedades modernas e desenvolvidas, e a falta de participação nas eleições está a tornar-se uma ameaça crescente. Como explicado acima, o voto obrigatório é uma opção há mais de cem anos, e continua a sê-lo em alguns países. Em muitos deles, o voto obrigatório e o sufrágio universal foram concedidos ao mesmo tempo, devido ao receio de que um aumento no registo de eleitores fosse acompanhado por baixas taxas de participação (Stengers, 1990). Desde o início, a medida tem tido os seus defensores e detractores. Na Bélgica, apenas alguns anos após a introdução do voto obrigatório, os seus detractores definiram a medida como "o constrangimento que nos limita, que nos quer estrangular" (Dupriez, 1901: 121). Por outro lado, importantes académicos como Lijphart afirmaram que o voto obrigatório é a medida mais eficiente para aumentar a participação eleitoral (Lijphart, 1997: 11) o que, por sua vez, aumenta a legitimidade dos representantes eleitos (Levine, 2012; Lijphart, 1996: 11). Outros autores argumentam que o voto obrigatório é um dever dos cidadãos e que é um "meio razoável, dado que contribui para a criação de bens colectivos (e individuais) e protege numerosos valores democráticos, liberais e morais" (Hill, 2002).
Assim, poder-se-ia dizer que "o cerne da questão permanece inalterado". O contraste de forçar os cidadãos a votar é uma mistura de princípios, valores e estratégia eleitoral" (Pilet, 2007:13). Os críticos argumentam que a obrigação de participar num sistema em que não acreditam é injusta para os cidadãos que não querem votar, embora, por outro lado, haja sempre a opção de votar em branco ou nulo. Este artigo tentou mostrar que o voto obrigatório assegura uma maior afluência às urnas, mesmo quando as sanções são invulgares.
É importante notar que nos últimos anos tem havido numerosas medidas destinadas a combater a desafectação. De facto, o Parlamento Europeu deu especial ênfase à tentativa de aumentar o voto dos jovens nas próximas eleições europeias. As tecnologias digitais abriram a porta a novas possibilidades e oportunidades para aumentar o envolvimento dos cidadãos nos processos eleitorais, a começar por medidas como o desenvolvimento do voto electrónico e da Internet. Além disso, abre também um espaço para campanhas novas e mais inovadoras, utilizando os meios de comunicação social como principal canal de comunicação. É por isso que as novas tecnologias podem ser um complemento das medidas legais e institucionalizadas, tais como o voto obrigatório.
Referências
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Delwit, P., Kulahci, E. and Pilet, J.B. 2004, “Le vote électronique en Belgique: un choix légitime”, Academia Press, Gand.
Dupriez, Léon 1901, “L’organisation du suffrage universel en Belgique”, Larose, Paris.
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Hill, L. 2002, “On the reasonableness of compelling citizens to ‘vote’: The Australian case”, Political Studies, vol. 50, no. 1, pp.88-89.
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Pilet, Jean-Benoit. 2007, “Choosing Compulsory Voting in Belgium: Strategy and Ideas Combined”, Paper presented to the ECPR Joint Sessions Workshop on “Compulsory Voting: Principles and Practice”, May 7 – 12, Helsinki, Finland.
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Stengers, Jean 1990, “Histoire de la legislation électorale en Belgique”, in Noiret, Serge, Stratégies politiques et réformes électorales: Aux origins des modes de scrutiny en Europe aux XIXéme et XXéme siècles, Nomos Verlagsgesellschaft, Baden-Baden, pp. 76-107.
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